quinta-feira, 28 de outubro de 2010
CREAS convida
O quê? Oficinas de expressão e debate sobre os olhares que cada segmento da sociedade detém sobre a situação de rua, a fim de mobilizar um questionamento da realidade.
Para quê? Para propiciar um espaço de reflexão e escuta para quem lida direta ou indiretamente com a temática da situação de rua, além de buscar novas estratégias de ação relativas a essa população.
A serviço de quê? Trazer a problemática da situação de rua para ser trabalhada a nível coletivo, buscando uma parceria interdisciplinar com a Rede socioassistencial.
Quando e Onde? Dia 3 de novembro, das 15 às 17h.
Local: Auditório do COL - Rua 1° de Março, 776
Novidades
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
Obrigada!
Colegas
Passado um mês do seminário já foi possível fazer uma avaliação geral do encontro, principalmente a partir das fichas de que vocês preencheram. Agradecemos a colaboração de todos e todas através dos questionamentos, pontuações e proposições. O material servirá de base para planejarmos o seminário de 2011.
Nosso agradecimento especial aos CREAS de Novo Hamburgo, Gravataí e Alvorada, que compartilharam suas experiências e enriqueceram as nossas, bem como à Marília, Karine, Sônia e Maria Aparecida que se dipuseram a dialogar conosco naquela manhã.
Os textos das palestras já estão disponíveis em posts anteriores aqui no blog e o material produzido nos GTS estará em breve.
Abraços,
Equipe CREAS SL
Passado um mês do seminário já foi possível fazer uma avaliação geral do encontro, principalmente a partir das fichas de que vocês preencheram. Agradecemos a colaboração de todos e todas através dos questionamentos, pontuações e proposições. O material servirá de base para planejarmos o seminário de 2011.
Nosso agradecimento especial aos CREAS de Novo Hamburgo, Gravataí e Alvorada, que compartilharam suas experiências e enriqueceram as nossas, bem como à Marília, Karine, Sônia e Maria Aparecida que se dipuseram a dialogar conosco naquela manhã.
Os textos das palestras já estão disponíveis em posts anteriores aqui no blog e o material produzido nos GTS estará em breve.
Abraços,
Equipe CREAS SL
VÍNCULO COMO POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO
“aquele que cede mais pode superar aquele que é mais duro”
“que o que cede conquista o resistente e o suave conquista o duro é um fato conhecido por todos os homens, mas não utilizado por nenhum”. Lao Tzu
Introdução
Escolhi este pensamento para exercitar e me conectar com a temática que a mim foi instigada. Falar de vínculo, vínculos, ruptura, fortalecimento faz pensar sobre a minha visão de homem e mundo, minha cultura, relações, meus vínculos e meu aprendizado acadêmico, que muito me ajudou. Embora exista uma luta entre “teóricos e práticos” o que nos coloca na perspectiva da interação entre estes é “por na mesa” a nossa dificuldade e tentar construir uma nova forma de fazer, de entender e compreender as situações que se apresentam no dia a dia do trabalho.
Trabalhar vínculo como estratégia e-ou intervenção requer um desnudamento próprio, um reconhecimento do “não saber aonde vai dar”, reconhecer nossas diferenças e preconceitos para assim buscar a superação e conseguir aceitar o sujeito que se apresenta para nós, assim como ele é.
Nossa dificuldade parece estar vinculada as práticas e aos objetivos propostos pelas instituições, seja pública ou privada. Pois nos depararmos com pessoas, situações, contextos e rumos não pensados e de difícil aceitação por estas instituições.
Vínculo: Base do trabalho social, traz a idéia de acolher, liga, nexo, sentido, responsabilidade, compromisso, aceitar, receber, atender, dar ouvidos, aceitar e interação.
Vínculo na relação profissional: Constitui-se num grande desafio, uma vez que requer uma aproximação, abertura do profissional e da instituição em acolher o que se coloca como novo e diferente aos padrões usuais, a uma cultura estranha a nossa. Diante disto temos que nos perguntar: isso me incomoda? Por quê? Posso iniciar minha aproximação desenvolvendo tolerância, suporto isso? Quero incluí-lo no quê? Num perfil? Como entendo sua não adesão ao meu programa-projeto? É meu ou dele a necessidade de ser atendido?
Devemos alertar que muitas práticas nominadas de inclusão são situações de mascaramento de exclusão, então ficamos num lugar difícil para mediar isto.
Há uma discussão sobre o direito de se excluir... os outsider (os que estão do “outro lado” que não querem ingressar nesta cultura... seria bom lermos sobre as teses da exclusão). Precisamos nos incomodar, nos estranhar.
O trabalho pelo vínculo não garante o sucesso do profissional ou do projeto, mas constrói junto com o sujeito uma escuta, outras possibilidades, um respeito, uma aceitação que poderá ter rebatimento em outras esferas de sua vida, não talvez naquele objetivo idealizado, por exemplo, parar de usar droga, sair da rua...
A própria maneira que olhamos e identificamos as pessoas que acessam a assistência social já nos distancia. Exemplo, ao chamarmos grupos de pessoas vulneráveis, de risco, quem quer ser visto e reconhecido deste jeito? Lembrado desta forma? Esquecemos das subjetividades, cada um vive sua sexualidade, raça, gênero, violência doméstica, etc, de um jeito, não é manual e regra geral. Não desconheço e nem minimizo determinadas gravidades, principalmente quanto a violência. O que quero dizer é que ao categorizarmos as pessoas, ao enclausurá-las em determinantes científicos ou religiosos, estamos colocando a pessoa numa condição estática, que não consegue sair da categoria criada por nós, exemplo, ninguém é a abusada sexualmente, e sim a pessoa que sofreu um abuso, ela não se encerra em e no abuso sexual.
As pessoas, que venho atendendo, trazem isto de maneira incomodada, verbalizam que são sempre perguntadas, por ex, sobre o abuso, “ficam em cima disto”, quando outras questões da vida estão em maior grau de gravidade. Mas, aí, nós técnicos, tratamos de interpretar que a pessoa nega, que não consegue falar sobre (já se cria uma categoria psiquiátrica ou psicológica), que ela irá repetir os abusos e aí queremos que participem de grupo para vítimas de abuso, criamos programas específicos, o prefeito vai lá e inaugura o programa a casa para vítimas de..., e sua vida fica publicizada, sem autorização.
Nesta área é possível perceber que, no caso de crianças e adolescentes, eles manifestam através do vínculo, confiança, que querem mesmo é ser criança e adolescente, brincar e realizar aquilo que é próprio da sua idade. Não estou aqui descartando a necessidade de atendimentos especializados, mas desvelando uma realidade institucional, pois a tendência é ocupar de atendimentos essas pessoas, quando muito querem apenas tocar a vida e serem eles mesmos.
Postura dos educadores: observo que a prática dos educadores, trabalhadores da assistência social ainda é de avaliar e julgar os acontecimentos da vida alheia. Vejo relatos de equipes acerca de situações de família que são fenômenos universais, com dificuldades, que necessitam de apoio, porém tudo se superdimensiona indo para patamares de agravamento-risco, intervindo e acabando esfacelando grupos familiares. Avalia-se o vínculo dos outros com muita facilidade, brinco (provoco) no meu trabalho perguntando para colegas quem tem o “medidor de vínculo”.
Todos temos vínculos, ninguém é destituído do afeto, destitui-se juridicamente mas não na vida real.
Vínculo é um inter-jogo (Pichon), não existe vínculo único, só bom, só mau. O vínculo se dá de diferentes maneiras, pode se ter um vínculo “normal” com algumas pessoas e paranóico com outras, por exemplo.
A criança e adolescente em acolhimento institucional reconhecem esta situação, eles sabem com quem podem falar sobre determinadas coisas, aí os profissionais disputam quem tem melhor vínculo com tal criança, o educador se coloca como o que sabe mais da criança, um desperdício de disputa. Nós também estabelecemos vínculos diferentes com várias pessoas. Lembrar que “eles” os outsider, são iguais a nós, são pessoas, sujeitos.
Vínculo familiar e comunitário: Estes vínculos existem sempre, o que atrapalha é a forma que se interpreta. Muitas vezes estes vínculos acabam se perdendo por vários motivos, um dos principais tem a ver com a gente e com o que venho escrevendo. Analisamos, categorizamos, construímos perfis, programas excludentes e acabamos fragilizando, impondo o afastamento físico, que contribuem para a efetivação do “abandono” (estudos sobre a FEBEM mostram isto).
Categorias usadas por nós e perigosas: negligência (esta é um saco de gatos, chamo esta de situação irregular no tempo do Código de menores), abandono, vulnerabilidade, vínculos frágeis, família desestruturada, desorganizada (as famílias sabem no que elas devem se organizar? É dito quais critérios-itens da organização? Faz sentido para elas?).
Sugiro para estas questões a construção de indicadores para se tentar chegar a determinados diagnósticos.
Porém, profissionalmente venho tentando praticar e incitar colegas a refletir, que as categorias criadas por nós não devem impedir ou encerrar o trabalho (vínculos, cidadania, etc) elas servem apenas para ajudar para, à partir disto, (tipo mãe negligente) tomar como ponto de partida e não como fim. Está dada a situação e temos que intervir, escutar, acolher, ponderar e concretizar a ajuda. Vejo colegas tomando o diagnóstico como intransponível, ele nada mais é que matéria e natureza do nosso trabalho.
Entendi ao longo da minha trajetória que as famílias são mais competentes do que se apresentam a nós e mesmo no caos existe aspectos positivos e de saúde a ser mantidos e ampliados. Este é o eixo do meu trabalho. Procuro ver junto com as pessoas envolvidas no processo o que é possível retomar nas relações, até aonde os familiares conseguem ir, como é a família de cada um, que tipo de convivência é possível manter.
Percebo que o tensionamento ocorre devido aos nossos modelos internalizados, construídos acerca da maternagem e paternagem (isto é esquecido nos debates) pensar a família possível e não a ideal. Soma-se ainda que nos locais de trabalho todo mundo tem um palpite e diagnóstico acerca destes grupos. Na maioria das vezes estas pessoas querem apoio e não sair do comando de sua família.
Experiência de ruptura de vínculo familiar, caso RM (trabalhar a ruptura, não culpabilizar a mãe e familiares, desconstituir a tarja do abandono), da maltratante.
Experiências de manutenção do vínculo familiar DT e RV (enfrentamento com equipes técnicas, divergências de pareceres, construção do argumento).
DIREITOS DOS PAIS DE TEREM SEUS FILHOS
Dificuldades a serem superadas:
- rivalização com as famílias,
- culpabilização das famílias,
- educadores querem tomar o lugar dos pais,
- visão aburguesada acerca dos fenômenos
- romper com a política do encaminhamento;
-práticas dos programas contribuem na ruptura dos vínculos familiares e comunitários.
Pensar e executar práticas de:
- inserção nas famílias, in loco (ex)
- visão multidisciplinar;
- discussão-rediscussão do caso sistematicamente;
- inserir as pessoas no processo, no plano;
- utilizar o MP para denúncias-providências de práticas de violação, não só das famílias, mas de instituições;
- rede (co-responsabilidade de todos agentes envolvidos)
- intersetorialidade de políticas, criação de espaços de convivência comunitária, esporte, Justiça Restaurativa.
- desinstitucionalização das questões sociais, evitar acolhimentos institucionais;
- respeito, empatia, aceitação, se colocar no lugar do outro, acolhimento e vínculos.
- trabalhos de prevenção-informação em relação a abusos, violências, raça-etnia e gênero.
- centralidade da família.
Marília F. Fischer Menezes
Assistente social
CRESS 3512
BIBLIOGRAFIA
ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não-violenta. Agora, 2003.
COSTA, Antônio Carlos da. Por uma pedagogia da presença. Ministério da Ação Social. 1991.
MENEZES, Marília Filgueras Fischer. Abrigos de Proteção ou de exclusão. Um estudo sobre os critérios de elegibilidade de crianças e adolescentes nos abrigos de proteção de Porto Alegre. Dissertação de mestrado. UNISINOS. 2002.
RIZZINI, Irene (coord.). Acolhendo Crianças e Adolescentes. Cortez. 2006.
BERGMAN, Joel S. Bergman. Pescando Barracudas. A Pragmática da Terapia Sistêmica Breve. Artes Médicas. 1985.
XIBERRAS, Martine. Teorias da Exclusão.
Direitos humanos: o laço possível entre vínculo e a intervenção
Este texto é fruto de muitas conversas, de muitas leituras e muitas experiências com vários interlocutores e por isso a produção passa pela interdisciplinaridade, mas muito especialmente com as discussões da prática no IAJ com campo de atuação nos direitos humanos, destinando sua intervenção direta à garantia destes, para as pessoas presas e/ou em medida de internação, vulneráveis social e economicamente e que estejam sendo processadas, por meio de metodologia interdisciplinar reunindo profissionais do direito, da psicologia e do serviço social. É deste caminho tramado por várias relações, situações e vínculos, assim como por vários lugares que foram produzidos os pensamentos e as reflexões enunciando esta fala, num diálogo mais direto entre os direitos humanos a partir do paradigma da dignidade humana, princípio constitucional que norteia o Estado Democrático de Direito.
Nós, profissionais, temos uma prática efetivamente protetora de garantia dos direitos humanos que se sustenta no vínculo com o beneficiário?
À proposta deste debate envolvendo o serviço social, a psicologia e a educação social, proponho ainda a aproximação do direito e de todas estas disciplinas com os direitos humanos, atendendo a dimensão ética e política, trazendo um olhar sobre a singularidade na questão da produção da subjetividade da população vulnerável, tendo presente a clássica expressão de Hanna Arendt, que todo e qualquer sujeito de direitos tem direito a ter direitos.
O intuito é dar visibilidade na urgência e na importância da dignidade do beneficiário de serviços prestados por profissionais destas disciplinas, apresentando uma prática tomada pelo viés da política dos direitos humanos, da interdisciplinaridade e dos vínculos.
Falando em direitos humanos, vale lembrar que a proteção dos direitos humanos foi se constituindo internacionalmente, sustentando o novo paradigma da dignidade humana que obriga revisão de conceitos, práticas e normas. É a positivação dos direitos humanos, sustentação para a corrente que adota a concepção positivista.
No Brasil a garantia dos direitos humanos foi consolidada pela Constituição Federal de 1988, representando o novo paradigma pela mudança substancial e formal de sistemas e instituições. Nesta perspectiva a proteção e garantia dos direitos passa a ser um princípio constitucional. Traz o avanço de uma carta de direitos, dando potencialidade ao princípio da dignidade da pessoa humana (Barroso, 2003 e Piovesan, 2004). Tanto que relaciona direitos fundamentais como resultado da positivação constitucional dos direitos humanos e que não se confundem com outros direitos assegurados ou protegidos. Assim como, abriga princípios que passam a dar uma nova dimensão ao constitucionalismo nacional. Resgata valores juridicos suprapositivos, reaproxima a ética e o direito e destaca idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais (Barroso, 2003 e Piovesan, 2004). Esta novidade, já com mais de 20 anos, serve de guia na interpretação da Constituição Federal.
A concepção de direitos humanos que orienta tanto a nossa caminhada quanto às práticas do IAJ “radica na busca de realização de condições para que a dignidade humana seja efetiva na vida de cada pessoa, ao tempo em que é reconhecida como valor universal”(Carbonari, 2008, p.36).
É o reconhecimento e a incorporação dos direitos humanos também na ordem social e política da nação, resultado de um processo histórico e avanços institucionais com resultados e repercussão em conquistas do exercício de cidadania, de reconhecimento de direitos. Bobbio (1992,p.18) explicita este movimento, dizendo que: ”o elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc”.
Este também é o entendimento de Hannah Arendt (1979), quando diz que os direitos humanos são construídos no processo histórico. Esta noção de direitos humanos que implica direitos de cidadania, sujeitos de direitos, exige ampliação com espaços de participação direta destes sujeitos voltados ao encaminhamento, à transformação e à construção de políticas públicas em busca de emancipação.
A lógica desta ampliação de espaços emancipatórios é a intersubjetividade, um contexto de relações, tendo como alicerce a alteridade, sustentando a diversidade e a pluralidade (Carbonari,2008).
Para proporcionar que os direitos humanos se transformem na questão mais importante e central na vida cotidiana, reforçando seu caráter emancipatório com possibilidades de se concretizar através de políticas efetivas, os vínculos são imprescindíveis, tanto como estratégia de intervenção, quanto como ferramenta para ampliar a proteção e a garantia de direitos para o coletivo. E assim, os profissionais podem fazer dos direitos humanos, instrumento de proteção da pessoa, acima de quaisquer interesses ou instituições, usando o vínculo como possibilidade de intervenção.
Seguindo nesta linha de pensamento, como já ficou dito, é preciso destacar que a promoção dos direitos humanos exige a presença do outro e o compromisso com o diferente. Como diz Hannah Arendt (1993,p.188) “a pluralidade humana, condição básica da ação e do discurso, tem o duplo aspecto de igualdade e diferença”. Também Boaventura de Sousa Santos (2003,p.458) destaca, dando ênfase a singularidade e a diferença, que “temos o direito a ser iguais quando nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”.
Para um bom começo, a singularidade e a diferença necessitam estar conjugadas com a institucionalidade, porque os direitos humanos são constituídos fora das institucionalidades, nascem das práticas sociais. É aí que se faz necessário cuidado no campo de forças que vai atuar sobre o próprio sujeito.
Neste campo atuam três dimensões, o sujeito, o grupo e a instituição ou sociedade. Estas dimensões vão se integrando a partir das relações interpessoais, múltiplas, de forma que “cada indivíduo se relaciona com outro ou outros, criando uma estrutura particular a cada caso e a cada momento, que chamamos vínculo.”(Pichon-Rivière.1998,p.3).
Ao priorizar vínculos, singularidades e diferenças no processo social, é fundamental a ampliação da participação. Este movimento vai contrastar com a aplicação da burocracia. Quanto mais amplia a participação mais amplia os fluxos institucionais. Este movimento precisa equacionar o fluxo para que não seja inibida a participação.
Coloco como termômetro destes fluxos institucionais, o compromisso com a realização efetiva da dignidade de cada sujeito. Lembro que “as práticas sociais podem chegar a engendrar domínios de saber que não somente fazem aparecer novos objetos, novos conceitos, novas técnicas, mas também fazem nascer formas realmente novas de sujeitos e de sujeitos de conhecimento” (Foucault,1999,p.8).
Os fluxos institucionais se relacionam com os serviços, que só existem com pessoas e com diretrizes. Nós profissionais, impregnados em efetivar direitos humanos, não devemos deixar de interrogar, num debate interdisciplinar, ao lado dos assistentes sociais, operadores de direito, psicólogos, educadores sociais e todos os outros, em que medida o vínculo possibilita a nossa intervenção intensificando a relação emancipatória, com o correlato sentimento de empoderamento do nosso personagem, o sujeito de direitos.
Do profissional que vai lidar com este ser humano é imprescindível uma mentalidade e uma atitude multi, inter e transdisciplinar, transversalizada pela dignidade humana, construída para o paradigma dos Direitos Humanos – ter novos olhos para outras áreas do conhecimento.
A interdisciplinaridade oferece uma alternativa de integração pessoal, com a eliminação de dicotomias que nos acostumamos a estabelecer, redefinindo o eu e as nossas relações com o outro, para dar início a um novo relacionamento com o diferente, com os outros e a natureza. O projeto interdisciplinar só o é se coletivamente compartilhado. O fio condutor deste coletivo é a interlocução, a partir de uma modalidade de relacionamento dialógico, com a criação de um espaço partilhado pelos interlocutores com um ouvindo os outros e sendo ouvido pelos outros. É um projeto com gestão coletiva, porque resulta de uma parceria entre todos os profissionais de diversas áreas, especialmente da educação social, do direito, da psicologia e do serviço social, disciplinas abertas ao novo paradigma epistemológico e, portanto com fôlego para possibilitar a construção e a convivência humana em sociedade, priorizando a sobrevivência com dignidade, a marca do exercício dos direitos humanos por meio do acesso a serviços e de apoio social.
Uma prática interdisciplinar e o trabalho com direitos humanos exigem vínculos profissionais e trabalho em equipe. Nestes casos, o vínculo é uma questão constante da agenda para ser debatida pela equipe: tanto os vínculos da interdisciplinaridade quanto os vínculos da equipe com beneficiários.
Atuar no acolhimento da população em risco pessoal e social potencializando o campo dos Direitos Humanos, é trabalhar com vínculos, como o investimento que faz a diferença na prática profissional.
Garantir direitos na proteção básica, na proteção especial de alta complexidade e nas questões de média complexidade, exige uma prática interdisciplinar e o vínculo como fio condutor que liga qualquer atuação profissional com o outro e com o mundo, à medida que o profissional vai operar como uma estrutura dinâmica em contínuo movimento, envolvendo profissional e beneficiário, numa interação interna e externa que promove determinada conduta ( Pichon-Rivière, 1998).
Essa prática também está relacionada com a confiança, na medida em que há um compromisso de atender expectativas de um lado e uma demonstração prática de que somos dignos de confiança, de outro lado. Não podemos ignorar que o contexto que envolve o beneficiário em risco pessoal e social, estimula a desconfiança e o isolamento em detrimento da inclusão social e da garantia de direitos.
Serão necessários vínculos agregadores que favoreçam o desenvolvimento do cuidado aos beneficiários, insistindo numa prática dinâmica levando em consideração as relações dos sujeitos no tempo e nos espaços, indo além das institucionalidades disponíveis.
Vale lembrar um exemplo, como de um conflito no trabalho envolvendo institucionalidades diversas, referente à solicitação de estudo social para profissionais do serviço social, educação social e/ou psicologia de outra institucionalidade, trabalhando junto às famílias a partir da construção de vínculo, da confiança estabelecida entre eles, importando em questão de sigilo, inclusive para manutenção deste vínculo e do próprio sucesso do trabalho desenvolvido na família e/ou comunidade. Desse conflito é possível ocorrer quebra de confiança, até com o rompimento deste vínculo, ocasionando um distanciamento entre os envolvidos, com prejuízo pessoal e profissional.
Pelos argumentos da interdisciplinaridade com o foco em direitos humanos e com racionalidade prática é possível pensar que o/a profissional solicitado seja poupado da quebra de confiança e possível rompimento do vínculo, e que todos os profissionais de instituições diversas, com atribuição para o estudo social, se reúnam em torno de um vínculo profissional para agregar/trocar conhecimentos e para manutenção dos canais/vínculos de serviços aos beneficiários funcionando com a necessária confiança e respeito às questões sigilosas.
O beneficiário tem o direito de ter respeitados os vínculos e o sigilo, que é mais que o direito a ter acesso aos serviços. Na base desta prática está a preservação e a promoção da dignidade, compromisso de todos nós.
Não devemos esquecer da temática vínculos e tempo. O vínculo exige tempo para ser constituído e construído. Quando falamos em vínculo estamos tratando de pessoas, tanto pessoas profissionais quanto pessoas beneficiárias. A substituição de pessoas atrapalha, precariza o trabalho que está sendo feito com as famílias e com a comunidade, com base nos vínculos. A desconsideração dos vínculos tem um custo pessoal e financeiro. Pessoal, porque o trabalho sofreu descontinuidade com rompimento do vínculo. Financeiro, porque o profissional vai ser remunerado para repetir o trabalho, para (re)começar. Criar e manter vínculos é custoso financeiramente, psicologicamente e em termos de tempo.
Podemos pensar que todo o trabalho está contido em relatórios, devidamente documentado. Mas não podemos esquecer que vínculo não se faz com papel, mas com relações interpessoais, interdisciplinares, intersetoriais. Precisamos ficar atentos na resposta da questão inicial.
Palavras finais
Refletir sobre o fazer interdisciplinar aliado à cultura dos direitos humanos faz parte da temática do vínculo como possibilidade de intervenção. É uma experiência que a sociedade precisa ver posta em prática. É atual. É um fazer que viabiliza estratégias de trabalho para o enfrentamento dos desafios contemporâneos, operacionalizando nossas práticas a partir de marcos ético-filosóficos dos direitos humanos e dos marcos normativos nacionais e internacionais, especialmente referenciados na dignidade humana dos sujeitos de direitos. É preciso acabar com a idéia de que os direitos humanos se restringem ao Direito. Precisamos pensar que além das normas jurídicas, há também os conceitos, que são estes marcos éticos-filosóficos, responsabilidade de todos nós.
O engajamento na efetivação dos direitos humanos daquele profissional instrumentalizado pela proposta interdisciplinar de saber e fazer, terá o sujeito e a dignidade como prioridade absoluta. Seu foco de trabalho está voltado pela definição de políticas públicas, envolvendo ações, intervenções, rede - articulações de saberes e fazeres – e, com certeza, o vinculo como possibilidade de intervenção, combatendo a discriminação, o desrespeito, a violação de direitos individuais ou coletivos.
A importância desta discussão reside no fato de compreender o sujeito a partir das práticas de políticas públicas, de como este sujeito se sujeita à determinada prática e mantém garantidos seus direitos, sua dignidade, tornando-se, prioritariamente, sujeito desta prática e não objeto dela.
Sonia Biehler da Rosa
1 IAJ – Instituto de Acesso à Justiça, OSCIP fundada em 2002, com atuação em POA/RS.
2 Mobilização de diversas políticas sociais em defesa dos direitos das pessoas beneficiárias dos serviços.
3 Nós, profissionais, temos uma prática efetivamente protetora de garantia dos direitos humanos que se sustenta no vínculo com o beneficiário?
Referências bibliográficas
Arendt, Hannah, As origens do totalitarismo. Rio de janeiro: Documentário. 1979.
Arendt, Hannah, A condição humana; tradução de Roberto Raposo; posfácio de Celso Lafer. – 6a edição – Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1993.
Barroso, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. SP: Saraiva, 2003.
Brasil. Constituição Federal. SP: Saraiva. 21ª edição, 1999.
Bobbio, Norberto. A era dos direitos. Rio de janeiro: Campus. 1992.
Carbonari, Paulo César. Direitos Humanos: sugestões pedagógicas. Passo Fundo: Instituto Superior de Filosofia Berthier, 2008.
Foucault, Michel. A verdade e as formas jurídicas, (tradução Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais, supervisão final do texto Léa Porto de Abreu Novaes...et al. Rio de Janeiro: Nau Editora.1999.
Pichon-Rivière, Enrique. Teoria do vínculo. 6ª. Edição. São Paulo: Martins Fontes,1998.
Piovesan, Flávia. Direitos humanos, o princípio da dignidade humana e a Constituição brasileira de 1988. In: Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica vol. 1, n.2. Porto Alegre: Instituto de Hermenêutica Jurídica, p. 79-100. 2004.
Santos, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolismo multicultural. V. III: Reinventar a Emancipação Social: para novos manifestos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.458.
Vinculação no trabalho do educador social
A educação social é um tema relativamente recente no Brasil. No entanto, a temática social carrega consigo uma rica história de lutas sociais, oficializada pelo trabalho da igreja católica e dos movimentos sociais.
Neste caminho, a figura do educador social foi se concretizando enquanto profissional da área atuando junto a diferentes públicos – crianças, adolescentes, jovens, adultos e, mais recentemente, idosos. Quando refiro profissional estou querendo assinalar que um “novo” campo de trabalho se configura, na medida em que certos critérios de exigência definem o perfil de quem vai ocupar este lugar.
A magnitude e a complexidade dos problemas sociais permitem o entrelaçamento de saberes múltiplos, enriquecendo a ação pedagógica. Assim, equipes multidisciplinares concebidas por pedagogos, psicólogos, assistentes sociais, sociólogos e outros, podem contar com o trabalho do educador social, como mais um técnico da educação social.
A política da Educação Social aparece como sendo a reflexão que orienta a intervenção socioeducativa com um conjunto de programas, de atividades ou de ações que, pelo aparato educativo, intervêm para a transformação do contexto social. Mais do que uma definição teórica e conceitual, a configuração do campo de trabalho do educador social precisa ser pragmática, isto é, responder aos desafios colocados pela dinâmica da própria sociedade e das transformações sociais, assim como preencher lacunas e ocupar espaços criados, tanto pela sociedade civil organizada, quanto pelo desenho das políticas públicas e sociais.
Há ainda, a necessidade de um estatuto que legitime a profissão educador social enquanto categoria profissional, em tramite no Congresso, mas o certo é que há um trabalho sendo desenvolvido e para isso alguns aportes são necessários para dar respostas aos desafios da prática de forma mais emergente.
Assim, o seminário proposto com o tema Vínculos como possibilidade de Intervenção, constitui-se em espaço oportuno para tal discussão. O tema proposto pelo seminário suscita a reflexão sobre uma questão muito pertinente ao trabalho do educador social – a presença. Presença no aspecto de ser e estar presente na relação educativa, no vínculo e na atuação profissional e técnica. Termo desenvolvido pelo educador Antônio Carlos Gomes da Costa (1999), que pretende ser aporte teórico-prático da ação socioeducativa. Segundo Costa (1999) :
(...) sem presença educativa, o jovem não se sente compreendido e aceito, e, se isto não ocorre, ele se torna incapaz de compreender e aceitar a si mesmo, inviabilizando qualquer tentativa de levá-lo a aceitar e compreender as demais pessoas (p. 15).
O educador social esta na base do processo. É pelas mãos do educador que a intervenção socioeducativa acontece. A intervenção social é definida por alguns autores como uma ação organizada e intencional. Esta intervenção deve ser impregnada de sentido.
Toda ação educativa prevê inicialmente a vinculação como necessidade básica da consolidação dos laços entre educadores e educandos. Não há neutralidade na intervenção socioeducativa, por mais pontual que seja há sempre o estabelecimento de algum vínculo; seja pelo olhar, pelo toque no ombro, pelo empréstimo do ouvido ou mesmo pela palavra de conforto. A intervenção socioeducativa possibilita identificar, construir e reconstruir laços de significação com o educando. Para isso o educador precisa desenvolver uma análise social adequada às ações de intervenção socioeducativa, em qualquer contexto de atuação profissional, promovendo valores vinculados à cidadania e aos direito humanos.
Para isso refiro a presença como conceito central de toda e qualquer intervenção e que confirma seu sentido quando nos colocamos a refletir sobre o vínculo como possibilidade de intervenção.
O trabalho educativo é uma fonte inesgotável de aprendizagem e o educador social precisa ter em mente que ele atua no fim de uma corrente de omissões e negações.
A capacidade de fazer-se presente, de forma construtiva, na realidade do educando não é segundo Costa (1999):
(...) como muitos preferem pensar – um dom, uma característica pessoal intransferível de certos indivíduos. Ao contrário, é uma aptidão possível de ser aprendida, desde que haja, da parte de quem se propõe a aprender, uma disposição interior (abertura, sensibilidade, compromisso). Essa aprendizagem requer a implicação inteira do educador no ato de educar.
No entanto, há que se considerar a dialética proximidade-distanciamento. Por proximidade podemos entender como o movimento realizado pelo educador acerca do universo do educando, procurando identificar-se com a sua problemática, de forma calorosa, empática e significativa, buscando uma relação realmente de qualidade. Por distanciamento, entendemos o afastamento do educador no plano da crítica, buscando, a partir do ponto de vista da totalidade do processo, perceber o modo como seus atos se encadeiam na concatenação dos acontecimentos que configuram o desenrolar da ação educativa.
Na prática, as manifestações inquietantes do educando - impulsos agressivos, revoltas, inibições, intolerância a qualquer tipo de norma, apatia, alheamento e indiferença -, podem indicar outros aspectos que aqueles perceptíveis no primeiro instante da ação. Deve o educador se situar num ângulo que permita ver, além dos aspectos negativos, o pedido de auxilio de alguém que, de forma confusa, procura atenção, conforto e perspectiva.
Desse modo, o papel do educador no processo de vinculação com o educando é fundamental. Fazer-se presença construtiva na vida do educando é a primeira tarefa de um educador que aspire assumir um papel realmente emancipador no processo educativo, resgatando o que há de positivo no sujeito. Lembrando que ser educador social implica numa escolha de si mesmo, enquanto homem e enquanto cidadão.
Karine Santos
Educadora Social
1 .COSTA, Antônio Carlos Gomes da. A Presença da Pedagogia: Teoria e prática da ação socioeducativa. São Paulo: Global, 1999.
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