quarta-feira, 20 de outubro de 2010

VÍNCULO COMO POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO



“aquele que cede mais pode superar aquele que é mais duro”
“que o que cede conquista o resistente e o suave conquista o duro é um fato conhecido por todos os homens, mas não utilizado por nenhum”. Lao Tzu



Introdução

Escolhi este pensamento para exercitar e me conectar com a temática que a mim foi instigada. Falar de vínculo, vínculos, ruptura, fortalecimento faz pensar sobre a minha visão de homem e mundo, minha cultura, relações, meus vínculos e meu aprendizado acadêmico, que muito me ajudou. Embora exista uma luta entre “teóricos e práticos” o que nos coloca na perspectiva da interação entre estes é “por na mesa” a nossa dificuldade e tentar construir uma nova forma de fazer, de entender e compreender as situações que se apresentam no dia a dia do trabalho.
Trabalhar vínculo como estratégia e-ou intervenção requer um desnudamento próprio, um reconhecimento do “não saber aonde vai dar”, reconhecer nossas diferenças e preconceitos para assim buscar a superação e conseguir aceitar o sujeito que se apresenta para nós, assim como ele é.
Nossa dificuldade parece estar vinculada as práticas e aos objetivos propostos pelas instituições, seja pública ou privada. Pois nos depararmos com pessoas, situações, contextos e rumos não pensados e de difícil aceitação por estas instituições.
Vínculo: Base do trabalho social, traz a idéia de acolher, liga, nexo, sentido, responsabilidade, compromisso, aceitar, receber, atender, dar ouvidos, aceitar e interação.
Vínculo na relação profissional: Constitui-se num grande desafio, uma vez que requer uma aproximação, abertura do profissional e da instituição em acolher o que se coloca como novo e diferente aos padrões usuais, a uma cultura estranha a nossa. Diante disto temos que nos perguntar: isso me incomoda? Por quê? Posso iniciar minha aproximação desenvolvendo tolerância, suporto isso? Quero incluí-lo no quê? Num perfil? Como entendo sua não adesão ao meu programa-projeto? É meu ou dele a necessidade de ser atendido?
Devemos alertar que muitas práticas nominadas de inclusão são situações de mascaramento de exclusão, então ficamos num lugar difícil para mediar isto.
Há uma discussão sobre o direito de se excluir... os outsider (os que estão do “outro lado” que não querem ingressar nesta cultura... seria bom lermos sobre as teses da exclusão). Precisamos nos incomodar, nos estranhar.
O trabalho pelo vínculo não garante o sucesso do profissional ou do projeto, mas constrói junto com o sujeito uma escuta, outras possibilidades, um respeito, uma aceitação que poderá ter rebatimento em outras esferas de sua vida, não talvez naquele objetivo idealizado, por exemplo, parar de usar droga, sair da rua...
A própria maneira que olhamos e identificamos as pessoas que acessam a assistência social já nos distancia. Exemplo, ao chamarmos grupos de pessoas vulneráveis, de risco, quem quer ser visto e reconhecido deste jeito? Lembrado desta forma? Esquecemos das subjetividades, cada um vive sua sexualidade, raça, gênero, violência doméstica, etc, de um jeito, não é manual e regra geral. Não desconheço e nem minimizo determinadas gravidades, principalmente quanto a violência. O que quero dizer é que ao categorizarmos as pessoas, ao enclausurá-las em determinantes científicos ou religiosos, estamos colocando a pessoa numa condição estática, que não consegue sair da categoria criada por nós, exemplo, ninguém é a abusada sexualmente, e sim a pessoa que sofreu um abuso, ela não se encerra em e no abuso sexual.
As pessoas, que venho atendendo, trazem isto de maneira incomodada, verbalizam que são sempre perguntadas, por ex, sobre o abuso, “ficam em cima disto”, quando outras questões da vida estão em maior grau de gravidade. Mas, aí, nós técnicos, tratamos de interpretar que a pessoa nega, que não consegue falar sobre (já se cria uma categoria psiquiátrica ou psicológica), que ela irá repetir os abusos e aí queremos que participem de grupo para vítimas de abuso, criamos programas específicos, o prefeito vai lá e inaugura o programa a casa para vítimas de..., e sua vida fica publicizada, sem autorização.
Nesta área é possível perceber que, no caso de crianças e adolescentes, eles manifestam através do vínculo, confiança, que querem mesmo é ser criança e adolescente, brincar e realizar aquilo que é próprio da sua idade. Não estou aqui descartando a necessidade de atendimentos especializados, mas desvelando uma realidade institucional, pois a tendência é ocupar de atendimentos essas pessoas, quando muito querem apenas tocar a vida e serem eles mesmos.
Postura dos educadores: observo que a prática dos educadores, trabalhadores da assistência social ainda é de avaliar e julgar os acontecimentos da vida alheia. Vejo relatos de equipes acerca de situações de família que são fenômenos universais, com dificuldades, que necessitam de apoio, porém tudo se superdimensiona indo para patamares de agravamento-risco, intervindo e acabando esfacelando grupos familiares. Avalia-se o vínculo dos outros com muita facilidade, brinco (provoco) no meu trabalho perguntando para colegas quem tem o “medidor de vínculo”.
Todos temos vínculos, ninguém é destituído do afeto, destitui-se juridicamente mas não na vida real.
Vínculo é um inter-jogo (Pichon), não existe vínculo único, só bom, só mau. O vínculo se dá de diferentes maneiras, pode se ter um vínculo “normal” com algumas pessoas e paranóico com outras, por exemplo.
A criança e adolescente em acolhimento institucional reconhecem esta situação, eles sabem com quem podem falar sobre determinadas coisas, aí os profissionais disputam quem tem melhor vínculo com tal criança, o educador se coloca como o que sabe mais da criança, um desperdício de disputa. Nós também estabelecemos vínculos diferentes com várias pessoas. Lembrar que “eles” os outsider, são iguais a nós, são pessoas, sujeitos.
Vínculo familiar e comunitário: Estes vínculos existem sempre, o que atrapalha é a forma que se interpreta. Muitas vezes estes vínculos acabam se perdendo por vários motivos, um dos principais tem a ver com a gente e com o que venho escrevendo. Analisamos, categorizamos, construímos perfis, programas excludentes e acabamos fragilizando, impondo o afastamento físico, que contribuem para a efetivação do “abandono” (estudos sobre a FEBEM mostram isto).
Categorias usadas por nós e perigosas: negligência (esta é um saco de gatos, chamo esta de situação irregular no tempo do Código de menores), abandono, vulnerabilidade, vínculos frágeis, família desestruturada, desorganizada (as famílias sabem no que elas devem se organizar? É dito quais critérios-itens da organização? Faz sentido para elas?).
Sugiro para estas questões a construção de indicadores para se tentar chegar a determinados diagnósticos.
Porém, profissionalmente venho tentando praticar e incitar colegas a refletir, que as categorias criadas por nós não devem impedir ou encerrar o trabalho (vínculos, cidadania, etc) elas servem apenas para ajudar para, à partir disto, (tipo mãe negligente) tomar como ponto de partida e não como fim. Está dada a situação e temos que intervir, escutar, acolher, ponderar e concretizar a ajuda. Vejo colegas tomando o diagnóstico como intransponível, ele nada mais é que matéria e natureza do nosso trabalho.
Entendi ao longo da minha trajetória que as famílias são mais competentes do que se apresentam a nós e mesmo no caos existe aspectos positivos e de saúde a ser mantidos e ampliados. Este é o eixo do meu trabalho. Procuro ver junto com as pessoas envolvidas no processo o que é possível retomar nas relações, até aonde os familiares conseguem ir, como é a família de cada um, que tipo de convivência é possível manter.
Percebo que o tensionamento ocorre devido aos nossos modelos internalizados, construídos acerca da maternagem e paternagem (isto é esquecido nos debates) pensar a família possível e não a ideal. Soma-se ainda que nos locais de trabalho todo mundo tem um palpite e diagnóstico acerca destes grupos. Na maioria das vezes estas pessoas querem apoio e não sair do comando de sua família.
Experiência de ruptura de vínculo familiar, caso RM (trabalhar a ruptura, não culpabilizar a mãe e familiares, desconstituir a tarja do abandono), da maltratante.
Experiências de manutenção do vínculo familiar DT e RV (enfrentamento com equipes técnicas, divergências de pareceres, construção do argumento).

DIREITOS DOS PAIS DE TEREM SEUS FILHOS

Dificuldades a serem superadas:

- rivalização com as famílias,
- culpabilização das famílias,
- educadores querem tomar o lugar dos pais,
- visão aburguesada acerca dos fenômenos
- romper com a política do encaminhamento;
-práticas dos programas contribuem na ruptura dos vínculos familiares e comunitários.



Pensar e executar práticas de:

- inserção nas famílias, in loco (ex)
- visão multidisciplinar;
- discussão-rediscussão do caso sistematicamente;
- inserir as pessoas no processo, no plano;
- utilizar o MP para denúncias-providências de práticas de violação, não só das famílias, mas de instituições;
- rede (co-responsabilidade de todos agentes envolvidos)
- intersetorialidade de políticas, criação de espaços de convivência comunitária, esporte, Justiça Restaurativa.
- desinstitucionalização das questões sociais, evitar acolhimentos institucionais;
- respeito, empatia, aceitação, se colocar no lugar do outro, acolhimento e vínculos.
- trabalhos de prevenção-informação em relação a abusos, violências, raça-etnia e gênero.
- centralidade da família.

Marília F. Fischer Menezes
Assistente social
CRESS 3512


BIBLIOGRAFIA

ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não-violenta. Agora, 2003.
COSTA, Antônio Carlos da. Por uma pedagogia da presença. Ministério da Ação Social. 1991.
MENEZES, Marília Filgueras Fischer. Abrigos de Proteção ou de exclusão. Um estudo sobre os critérios de elegibilidade de crianças e adolescentes nos abrigos de proteção de Porto Alegre. Dissertação de mestrado. UNISINOS. 2002.
RIZZINI, Irene (coord.). Acolhendo Crianças e Adolescentes. Cortez. 2006.
BERGMAN, Joel S. Bergman. Pescando Barracudas. A Pragmática da Terapia Sistêmica Breve. Artes Médicas. 1985.
XIBERRAS, Martine. Teorias da Exclusão.

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